quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Capitão Nascimento: herói ou anti-herói?

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Já há algum tempo o nome José Padilha tem sido associado a belas produções cinematográficas no Brasil. Além de ter produzido o premiadíssimo documentário Estamira, com direção de Marcos Prado, Padilha dirigiu filmes também premiados, como Ônibus 174, Tropa de Elite e o recente Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro

No filme documentário que aborda o sequestro do ônibus 174, o diretor mostra a trajetória de Sandro do Nascimento, uma das muitas vítimas da negligência social de nosso país, que morre por asfixia mecânica dentro da viatura policial, após o desfecho do sequestro, em 12 de junho de 2000. Mas qual a relação entre este documentário e o filme Tropa de Elite? Além de muitas outras coisas, o sobrenome dos protagonistas. Talvez o que muitos não tenham percebido é que o Capitão Nascimento, personagem fictício de Wagner Moura em Tropa de Elite, é uma merecida homenagem de Padilha ao jovem Sandro, numa justificativa de que há uma linha muito tênue entre ser policial e ser marginal.

O Capitão Nascimento, chefe de equipe do BOPE no Rio de Janeiro, é um policial truculento que utiliza métodos questionáveis de tortura no combate ao crime. Numa linha de pensamento acadêmico, meu caro leitor, amigo de boteco e de andanças, poderíamos dizer que se trata da dualidade entre o bem e o mal que todo homem carrega em sua essência. Mas, assim como o menino de rua, Sandro do Nascimento, o capitão tem seus motivos para agir de tal forma. Nesse caso, seria mais prudente aplicar a teoria do filósofo Jean-Jacques Rosseau, “o homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe”. No filme, além de perceber a desumanização dos policiais durante os exercícios, vale salientar também os gritos de guerra do grupo comandado pelo chefe da equipe, incitando à violência: “Homem de preto, qual é sua missão? Entrar na favela e deixar o corpo no chão”. Note então, meus ébrios amigos, que o Capitão Nascimento foi treinado para eliminar o que ele aprendeu a chamar de “inimigo”, “vagabundo”, “bandido”, “lixo da sociedade”.

No Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro, temos um Capitão Nascimento (agora coronel) mais maduro e – eu me arrisco a dizer – um pouco ingênuo diante da realidade (da verdadeira realidade). Nessa segunda parte do filme, Coronel Nascimento, agora subsecretário de inteligência do Rio de janeiro, luta contra um inimigo bem mais poderoso: o sistema político. O filme faz ascender a nossa indignação diante dos políticos corruptos que usam o nosso dinheiro para promover a nossa própria chacina. É… “O sistema é foda, parceiro”.

A narrativa do filme tem início no meio da história, numa cena que mostra o Coronel Nascimento saindo do hospital. Enquanto dirige o seu carro, é abordado por homens armados que atiram contra o veículo. Bastou isso para deixar a plateia triste com a suposta morte do protagonista. As cenas retomam os acontecimentos de quatro anos atrás, mais precisamente, numa rebelião no presídio de Bangu 1, onde Nascimento comanda a operação de invasão, a fim de conter os bandidos. No entanto, o ex-aspirante Mathias, vivido por André Ramiro, desobedece às suas ordens e mata o líder da rebelião, colocando em risco a vida do defensor dos direitos humanos, o professor Diogo Fraga, numa atuação excelente de Irandhir Santos, novo talento do cinema brasileiro. Com isso, o chefe de equipe do BOPE é alçado a herói pela população e a Coronel pelo poder público, involuntariamente. Em sua nova função, o Coronel reorganiza o BOPE, aumenta o seu efetivo e moderniza os seus equipamentos. As novas ações de combate ao tráfico nos morros do Rio, ao contrário do que ele pensava, faz nascer uma nova organização criminosa, as “milícias”. Surge, então, o Major Rocha, policial corrupto que passa a chefe de milícia e grande vilão da história – vale aqui louvar a impagável interpretação de Sandro Rocha, que pouco atuou no primeiro filme. O Major Rocha, junto com a corja política do Rio de Janeiro, passa a comandar várias comunidades. Assim, ele estaria ganhando “apoio” dos líderes comunitários e obrigando a população a votar em seus parceiros políticos, com o objetivo de perpetuar e fortalecer o poder. As comunidades transformadas nos chamados currais eleitorais.

Sabemos todos que essa é uma história ficcional, mas muito voltada para uma realidade vivida aqui em nosso país. Assim vai funcionando o “sistema”, entra ano e sai ano. Numa narração em off do Coronel Nascimento, ele diz, ao final do filme, “O sistema se reestrutura. Cria novas lideranças. É, parceiro, lutar contra o sistema não é fácil! E sabe quem paga tudo isso?… … Pois é…!”. Parece um final pessimista, eu diria.

Porém, conversando com Gustavo Gama, professor do Instituto de Letras da UFBA, ele me fez perceber algo: na última cena, o Coronel Nascimento está no hospital, junto ao leito de seu filho, quando este, após passar por uma cirurgia complicada para retirada de uma bala, abre os olhos e o pai pronuncia o seu nome – Rafael – cujo significado pode ser visto como uma metáfora. Rafael é o arcanjo conhecido como Deus da cura, ou seja, o arcanjo enviado por Deus para curar em Seu nome. Havemos de ter esperança.

Termina o filme…

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